Projeto da UFU recebe prêmio internacional de inovação sustentável

Chopeira desenvolvida no doutorado do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica da UFU é premiada por uso reduzido de fluidos colaboradores do efeito estufa
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13/09/2023 - 15:51 - atualizado em 14/09/2023 - 10:16

Por Gabriela Pina e Isadora Pinheiro

 

O “ASHRAE–UNEP Lower GWP Refrigeration and Air-Conditioning Innovation Award” é uma premiação anual e mundial, feita pela União das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), juntamente com a Sociedade Americana de Engenharia de Refrigeração e Ar Condicionado (ASHRAE). No ano de 2023, pesquisadores na UFU foram destaque no desenvolvimento de um sistema refrigerador de bebidas mais sustentável. O projeto foi concebido dentro do Laboratório de Energia, Sistemas Térmicos e Nanotecnologia, por David Fernando Marcucci Pico e orientado por Enio Pedone Bandarra Filho, e conseguiu reduzir a emissão de quase 9 toneladas de CO2 equivalente, para apenas 270 gramas. 

 

 

A chopeira foi posta na Universidade como um bebedouro, experiência que Enio comenta que foi muito elogiada pelos estudantes por oferecer água sempre gelada. (Foto: Isadora Pinheiro) 

 

Esse prêmio foi criado para prestigiar e reconhecer o trabalho dos pesquisadores que se dedicaram a desenvolver novas tecnologias que solucionem, ou amenizem, a emissão de gases de efeito estufa em sistemas de refrigeração e ar condicionado. Quando se fala de efeito estufa, os primeiros a serem lembrados são os carros e outros veículos que para funcionar realizam a queima de combustíveis fósseis. Porém, por muito tempo até mesmo as geladeiras continham fluidos refrigerantes nocivos à atmosfera -hoje, elas já não possuem mais esse fluido no seu sistema e utilizam elementos diferentes, mas nem todo equipamento de refrigeração  alcançou esse cenário. 

 

Os participantes da premiação são dos países que assinaram o Protocolo de Montreal, tratado internacional lançado em 1987 com o objetivo de extinguir a produção e consumo de gases destruidores da camada de ozônio. Por ser um tanto antigo e com boa adesão (atualmente 197 países estão de acordo), o Protocolo passou por algumas revisões e emendas, como a de Kigali, que pede a redução do uso de hidrofluorcarbonos (HFCs), gases que apesar de não destruírem a camada de ozônio, possuem grande participação no agravamento do efeito estufa e mudanças climáticas por todo o mundo.   

 

 

E qual a diferença entre os gases destruidores da camada de ozônio dos causadores de efeito estufa? E o que eles tem a ver com refrigeradores?

 

Os famosos gases destruidores da camada de ozônio são os clorofluorcarbonetos (CFCs), primeira geração de gases refrigerantes; e hidroclorofluorcarbonos (HCFCs), a segunda geração. Os chamados fluidos refrigerantes têm esse nome e função por conta de sua capacidade de, ao mudar seu estado líquido para gasoso, absorver calor e resfriar um ambiente. Por muito tempo foram utilizados em geladeiras, ar-condicionados, congeladores e refrigeradores de restaurantes. E por que eles são responsáveis pela destruição da camada de ozônio? A molécula de ozônio (O3), quando está na estratosfera, nos protege da emissão de raios ultravioleta, porém, outros gases como Cloro (C), Fluor (F), e Bromo (Br), quando emitidos e suspensos na estratosfera e ao encontro desses raios solares, liberam radicais livres destruidores das moléculas de O3. Hoje, os CFCs são proibidos em diversos países, e a emissão de HCFCs tem previsão de ser completamente eliminada até 2040. 

 

Nisso, os hidrofluorcarbonetos (HFCs) foram considerados mais ecológicos do que os anteriores por não conterem uma molécula de Cloro, o que não teria efeitos nocivos à camada de ozônio. Porém, esses gases colaboram substancialmente com o efeito estufa, que tem o famoso dióxido de carbono (CO2) como referência, de valor 1. O HFC-134a que está no sistema de ar-condicionado automotivo possui um valor de 1430, o que em caso de vazamento de 1 kg esse sistema emite 1,5 toneladas de CO2 equivalente para atmosfera. Por ainda ser emitido em muitos sistemas e processos, o CO2 não é proibido, mas quanto menor emitirmos, melhor! Pensando nisso, o doutorando David Fernando Marcucci Pico e seu orientador Enio Pedone Bandarra Filho, do Programa de Pós Graduação de Engenharia Mecânica da UFU, decidiram aperfeiçoar o sistema de uma máquina resfriadora de bebidas, uma chopeira, trocando o fluido para outro que não fosse danoso ao meio ambiente.  

 

 

Então, como funciona o sistema de refrigeração elaborado aqui na universidade? 

 

A chopeira premiada começou a ser desenvolvida a partir de uma provocação vinda da própria ONU, por meio do Programa Brasileiro de Eliminação dos HCFCs, que entrou em contato com o Laboratório de Energia, Sistemas Térmicos e Nanotecnologia da UFU.  O desafio? Desenvolver um sistema de refrigeração mais sustentável, eficiente, e com uma tecnologia que pudesse ser facilmente reproduzível em países em desenvolvimento. 

 

Em um primeiro momento, a alteração feita foi a substituição do fluido convencional, o R22, um hidroclorofluorcarbono (HCFC) que possui um potencial poluidor de 1800 em relação ao dióxido de carbono (CO2). Isso quer dizer que a cada quilo de vazamento desse fluido, é equivalente a uma emissão de 1,8 toneladas de CO2 na atmosfera. Ou seja, um dos fluidos mais famosos e usados no campo da refrigeração é um grande contribuidor do aquecimento global.

 

A solução encontrada estava no Propano, que é um hidrocarboneto derivado do petróleo. Só com essa mudança, já há uma redução significativa no impacto que o funcionamento da chopeira tem no meio ambiente, assim como na praticidade da máquina. Além de ser um fluido mais ambientalmente amigável, também há uma restrição na quantidade necessária, uma vez que em um sistema comum, são 4,5kg de R22 por equipamento, porém, no desenvolvido pelos pesquisadores da UFU, é usado apenas 90g de Propano.

 

 

Hoje o protótipo original da chopeira está em uma das salas do Laboratório de Energia, Sistemas Térmicos e Nanotecnologia da UFU. (Foto: Isadora Pinheiro)

 

Para ilustrar o que essa substituição significa para o sistema de refrigeração da chopeira desenvolvida, o professor Enio usou um exemplo muito mais do que conhecido e que faz parte do cotidiano: a diferença entre as geladeiras de modelos antigos e as novas. Antigamente, era utilizado o fluido refrigerante R134a, que diferentemente do R22 não agride diretamente a camada de ozônio, mas impacta substancialmente o aquecimento global. Agora, os modelos que estão saindo possuem o R600a, também conhecido como isobutano, que assim como o propano, é um hidrocarboneto inflamável e bem menos poluente. Além disso, também houve redução na quantidade utilizada, que passou de 180g-120g para 60g-30g. 

 

Mas a inovação do projeto não parou por aí: apesar de já terem solucionado o desafio, de um ponto de vista técnico, foram além e revolucionaram um outro aspecto do funcionamento de sistemas de refrigeração similares ao da chopeira, responsável pelo resfriamento da máquina e do produto. Comumente, é um vaso de pressão pressurizado [que age como evaporador], que foi transformado em um sistema de acumulação térmica, sem pressão e que funciona como um reservatório térmico. 

 

O que isso significa, na prática, é que ao resfriar o sistema interno da chopeira, ele se mantém com uma baixa temperatura por um bom tempo, diminuindo o consumo de energia de cada unidade e também a necessidade de manutenção, além de incrementar a vida útil do equipamento e servir diversos copos de chopp com excelente eficiência energética , como apontam os testes realizados.

 

 

"Esse é o prêmio mais importante que já recebi até hoje!" diz Enio. (Foto: Arquivo pessoal Enio Bandarra)

 

 

Dessa forma, aperfeiçoaram esse sistema em duas frentes: com a substituição do fluido refrigerante, de um altamente poluente para um hidrocarboneto que não possui cloro na molécula e desprezível potencial de aquecimento global; e com o desenvolvimento do sistema de resfriamento a partir da massa térmica, que permitiu uma grande economia de energia por continuar gelando mesmo sem estar ligado à rede elétrica e ao eliminar o sistema de pressão da chopeira (evitando vazamentos e acidentes). E apesar da grande contribuição na diminuição do impacto ambiental de máquinas de resfriamento, as vantagens desse novo modelo não param por aí, como demonstrado pelos benefícios do usuário final.

 

A notícia boa é que, a partir de parcerias público-privadas, o sistema desenvolvido já foi patenteado e está chegando no mercado de consumo brasileiro! Desde a concepção da ideia, a escalabilidade e replicabilidade eram prioridades dos desenvolvedores e, portanto, após o lançamento do protótipo em 2021, as vendas já se iniciaram agora, em 2023. Como um produto desenvolvido por pesquisadores da UFU em colaboração com as Indústrias Memo, empresa de produção de chopeiras e líder do mercado na América Latina, o novo modelo já está sendo fabricado e repassado para grandes marcas do ramo cervejeiro, como a Ambev, por exemplo. 

 

 

Enio Pedone Bandarra é professor mestre doutor em Engenharia Mecânica, e pesquisador Nível 2 do CNPq. (Foto: Isadora Pinheiro)

 

 

Para o futuro, o professor Enio comenta que já existe uma nova pesquisa em andamento, para integrar à chopeira inovadora um sistema de inteligência artificial capaz de, a partir da medição do perfil de consumo de cada unidade individual, treinar a rede de operação para  otimizar ainda mais a redução do consumo de energia. Mas isso são cenas dos próximos capítulos…

 

Um brinde, com um chope bem gelado, à ciência e à universidade pública!